
Um dia, sem mais nem menos, fui chamada a uma reunião com a diretoria desta sociedade beneficente. Anunciaram-me a destruição deste trabalho. Já estava decidido. As mudanças estipuladas mataram todas as nossas esperanças e possibilidades. Tentei, em vão, argumentar. Tentei, em vão, defender a dignidade de meus alunos e voluntáios. Mas o muro já estava construído e as árvores arrancadas. Estancaram uma faca em mim. E esta instituição tão séria e tão apreciada pela comunidade mostrou para mim uma face feia. Uma face que não levou em consideração não somente os nossos sentimentos, mas também o nosso esforço e a nossa competência. A maioria dos meus voluntários foram embora tristes, alguns felizmente ficaram. A maioria dos meus alunos foram embora, ainda bem que já tínhamos tocado as suas almas o suficiente para mudar o curso de suas vidas, assim como havíamos mudado as nossas.
Obviamente que fui embora. Nada mais me restava por lá. Já não havia mais trabalho para mim. Eles tinham mandado embora toda a minha razão de estar lá.
Eu deveria ter aberto um processo judicial contra eles. Hoje me arrependo disso. Lutei com minhas palavras e com minha força, mas não foi suficiente. Não se tratava de vingança ou de desforra, mas acho que isso deveria ter sido feito para de alguma forma defender a dignidade do trabalho. Acho que seria um alerta à instituição de que não se pode deliberar ordens que prejudiquem as pessoas... Acho que estava muito triste para tomar uma atitude e talvez tivesse a impressão de que chamar um advogado fosse me macular de algum modo. Mas não, muito pelo contrário, seria uma ação de cidadania, como hoje entendo. Não que esperasse restituir todas as perdas, isso seria impossível. Mas houve perdas, houve uma ação ilícita, que gerou males para as pessoas e para a comunidade. Não foi justo que tenhamos sofrido uma ação tão unilateral. O nosso trabalho não lhes pertencia, pertencia aos jovens que atendíamos. Era um valor da comunidade, eles não tinham o direito de fazer o que fizeram, da forma como fizeram. Que a indenização pedida fosse de um real, não importava.
Apesar de tão triste fato, não desisti do trabalho voluntário. Eu acredito no que faço. Acho que uma coisa boa surgiu deste episódio: perdi a inocência. Esbarramos nas limitações das pessoas que encontramos nesta área do 'terceiro setor', nas más intenções (principalmente de lucro), nas mentalidades fechadas, preconceituosas, de falsa moral. Esbarramos em disputas de poder, que não combina nada com um trabalho que deveria ser doado de coração aberto.
Mas se não for por nossas mãos, se não for por nossas atuações, quem irá até os que estão esquecidos na impossibilidade de participação social? Felizmente eu encontro em minha jornada neste caminho da responsabilidade social um pelotão de pessoas que se entregam de corpo e alma por um mundo melhor. Felizmente eu vejo e ouço falar de cada vez mais gente empenhada nesta luta, com boas idéias, com boas intenções, com bom coração. Pessoas que se preparam, que estudam, que baseiam a atuação na experiência e na busca de informações.
Não, não é fácil, mas ao mesmo tempo é. É preciso estar bem preparado para certas atividades. Para outras, basta distribuir sorrisos e carinho, agentes poderosos de transformação. Mas não há outra atividade no mundo que pague tão bem: o cansaço feliz do final do dia.

Até hoje recebo notícias daqueles alunos daquele grupo. Hoje adultos que têm suas próprias famílias, que trabalham, que estudam, que passaram na faculdade, que passaram em concursos públicos. Que me enchem o coração de orgulho e felicidade. Aprendi muito com esse pessoal tão especial, todos marcaram a minha vida para sempre.
Combater a violência é distribuir amor.
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