terça-feira, outubro 26, 2010

Passarim quis pousar, não deu, voou...

Minha amiga Jéssica uma vez me perguntou a minha opinião sobre este poema de Manuel Bandeira, principalmente em relação ao último verso. Agora compartilho com todos aqui no blog o que respondi a ela!!

Manuel Banteira - Boda Espiritual

Tu não estas comigo em momentos escassos:
No pensamento meu, amor, tu vives nua
- Toda nua, pudica e bela, nos meus braços.

O teu ombro no meu, ávido, se insinua.
Pende a tua cabeça. Eu amacio-a... Afago-a...
Ah, como a minha mão treme... Como ela é tua...

Põe no teu rosto o gozo uma expressão de mágoa.
O teu corpo crispado alucina. De escorço
O vejo estremecer como uma sombra n'água.

Gemes quase a chorar. Suplicas com esforço.
E para amortecer teu ardente desejo
Estendo longamente a mão pelo teu dorso...

Tua boca sem voz implora em um arquejo.
Eu te estreito cada vez mais, e espio absorto
A maravilha astral dessa nudez sem pejo...

E te amo como se ama um passarinho morto.

Bom, primeiramente devemos lembrar que manuel bandeira é do Modernismo, e uma das características principais desta escola literária é o ESTRANHAMENTO.
Portanto, fazer cara de HÃ? COMO É QUE É? no final do poema é não só normal como até mesmo desejado pelos autores, que buscam através da surpresa provocar uma reação no leitor. Esse estranhamento provoca novas questões, novos questionamentos, desperta o espírito crítico, ou seja, é uma poesia elaborada para que o leitor não se acomode inativo no processo de ler e interpretar.
Não há portanto respostas prontas para a maior parte das perguntas que possamos fazer ao ler um poema como este, não dá para descobrir a real intenção, a real mensagem, porque a real expectativa do autor é que o leitor experimente as próprias impressões, as próprias conclusões.

Lembremos também que Manuel Bandeira explora o cotidiano, a simplicidade, para traduzir o comum em algo extraordinário.
Amar um pássaro morto pode nos trazer uma série de sensações.
Como esse pássaro morreu? Eu matei? Era um pássaro de estimação? O pássaro morreu de velho? O pássaro foi morto por um estilingue? Foi eletrecutado? Este pássaro era um pardal comum, um pássaro em extinção, era um símbolo de toda uma nação? Este pássaro era colorido, bonito, era um pássaro sujo, doente?
Reparem: a cada resposta que pensamos nestas hipotéticas perguntas sentimos algo diferente.
Portanto, posso amar um pássaro morto de várias maneiras, assim como posso amar uma pessoa de várias maneiras diferentes.
O amor por uma pessoa pode ser um alívio, pode ser uma dor, pode ser um arrependimento passageiro, pode me marcar para sempre.

Além do mais, lembremos que Manuel Bandeira era tuberculoso numa época em tuberculose era mortal. Ou seja, ele passou a vida toda esperando pela morte. Por isso, ele desmanchou um noivado, pensava que ia morrer logo e não ter a chance de ter uma vida ou um casamento normal. Só que não se sabe como ele viveu e muito. Mas ele não sabia que ia durar tanto tempo, até a velhice.
Esse pássaro morto pode estar representando ele mesmo, como se ele já estivesse morto apesar de vivo, ou seja, uma pessoa viva sem nenhuma chance de ter uma vida normal, uma pessoa que iria morrer a qualquer momento.

O que nos leva a pensar na fragilidade humana.
Somos tão frágeis quanto um pássaro.
Um pássaro morto e uma pessoa morta, qual a diferença? O homem pode se achar mais forte que um pássaro, mas não passa de um ser mortal e frágil tanto quanto.

Ou seja, Manuel Bandeira não nos diz se a amada está viva ou morta, talvez isso seja o que menos importa.
Manuel Bandeira quer que pensemos e reflitemos sobre as nossas sensações, sobre nossos sentimentos, sobre nossas impotências, sobre questões como a vida e a morte, sobre muitas outras coisas que podemos pensar a partir de seus versos e suas palavras.

Até o penúltimo verso, poderíamos até dizer que se trata de um poema do Romantismo, ou seja, de um poema que está explorando de uma maneira incrivelmente sensível o amor de uma pessoa pela outra.
Porém, o último verso muda tudo. Aumenta a perspectiva.
Bom, isso e muito mais posso falar deste poema, posso passar o dia todo e a noite inteira falando de Manuel Bandeira, sobre o romantismo e sobre o Modernimo.


Aproveito para postar também uma letra de música que admiro muitíssimo, apesar de ser muitíssimo triste, interpretada por Tom Jobim:

Passarim

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro partiu mas não pegou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Me diz o que eu faço da paixão?
Que me devora o coração..
Que me devora o coração..
Que me maltrata o coração..
Que me maltrata o coração..

E o mato que é bom, o fogo queimou
Cadê o fogo? A água apagou
E cadê a água? O boi bebeu
Cadê o amor? O gato comeu
E a cinza se espalhou
E a chuva carregou
Cadê meu amor que o vento levou?
(Passarim quis pousar, não deu, voou)

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro feriu mas não matou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Cadê meu amor, minha canção?
Que me alegrava o coração..
Que me alegrava o coração..
Que iluminava o coração..
Que iluminava a escuridão..

Cadê meu caminho? A água levou
Cadê meu rastro? A chuva apagou
E a minha casa? O rio carregou
E o meu amor me abandonou
Voou, voou, voou
Voou, voou, voou
E passou o tempo e o vento levou

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro feriu mas não matou
Passarinho, me conta então, me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Cadê meu amor, minha canção?
Que me alegrava o coração..
Que me alegrava o coração..
Que iluminava o coração..
Que iluminava a escuridão..
E a luz da manhã? O dia queimou
Cadê o dia? Envelheceu
E a tarde caiu e o sol morreu
E de repente escureceu
E a lua, então, brilhou
Depois sumiu no breu
E ficou tão frio que amanheceu
(Passarim quis pousar, não deu, voou)
Passarim quis pousar não deu
Voou, voou, voou, voou, voou