terça-feira, outubro 31, 2006

À meia-noite, à meia luz

Quando eu era criança, morria de vontade de passar um noite inteira acordada e ver o dia clarear.
Então, uma vez que eu fui para cama, decidi não dormir.
E fiquei o tempo todo pensando em coisas várias, esperando o tempo passar.
Até que meus olhos se acostumaram com a escuridão, e eu conseguia enxergar tudo de meu quarto. Meu irmão dormindo. Meu guarda-roupa.
O tempo foi passando, passando...
E de repente começou a clarear. Lembro-me disto nitidamente. A janela começou a ficar mais acesa, os passarinhos piavam como loucos. Era a luz do sol, amarelada, que entrava no meu quarto.
Enfim, dormi feliz.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria


Não resisti em colocar esta foto no meu blog. Eu piro nestas tatuagens de henna, acho lindíssimas.

Está no site da Folha, como destaque de fotos da semana.

"Em Bangalore, na Índia, menina ora durante as celebrações do Eid al Fitr, que marca o fim do Ramadã (mês sagrado para o islamismo)"

quarta-feira, outubro 25, 2006

Eu preciso dizer que te amo

Siiiiiiim, eu gosto de histórias de amor...
Gosto de contar a minha história de amor...

Eu estava em uma apresentação de final de ano de meus aluninhos queridos. Senti-me observada por alguém.
Quando ia saindo do salão, vi aquele menino, na última cadeira da última fileira.
Uau... Quem será ele?
Logo que deixei os alunos na sala, subi para lá de novo.
Fulminada por um raio de mil volts.
Era a última apresentação, lembram? Do último dia de aula.
Para vê-lo de novo, só no ano que vem.
Ai, ai, que saudades. Só o vi uma vez, mas...
Então chegaram as aulas. Eu estava cheia de novidades: tinha passado no vestibular, estava tão feliz. Também tinha saído do emprego, livre.
Três anos de diferença é bastante quando se tem 16 e 19 anos.
Mas não impedia as minhas febres nas faces, tal qual uma garota do século dezenove ao se ver diante do amado.
Gaguejava.

Mas alguns anos se passariam ainda. Que difícil espera.
Encontrei outros amores, vivi a minha vida. Mas o mundo dá voltas.
Algumas coisas não são para acontecer. Algumas histórias de amor, por mais lindas que sejam, simplesmente deslancham no meio do caminho.
Acontece.

E então eu me encontrei com um amigo. Ele precisava de novos voluntários na comunidade. Fiquei muito feliz de poder voltar.
Isso foi numa quinta feira. O compromisso ficou marcado para o outro sábado, porque as atividades somente aconteciam quinzenalmente.
No domingo me encontrei com ele, com o Márcio, do nada. Nos reencontramos, após tanto tempo que não nos víamos.
Nossa, aconteceu tanta coisa enquanto estivemos separados.
E ainda estávamos separados.
Um espaço de ar entre nós.

E, quem diria!, ele também era voluntário nesta mesma atividade que eu iria participar. Coincidência? Parece que a vida me empurrava para um abismo que eu queria evitar. Porque é muito difícil lidar com sentimentos tão intensos.

Então ele me beijou, em uma tarde, na frente da minha casa.
Sim, história de um outro século.
Mas aí ele não me escaparia mais. Acendeu o estopim. Não me deu outra oportunidade senão retribuir o beijo.

Então vieram as confusões, os desencontros, os mal-entendidos. As desculpas esfarrapadas.
E o espaço vazio continuava entre nós.

E esse espaço vazio tomou dimensões de silêncio.
Márcio, você está aí?
Não sabia onde ele estava. Estava num limiar de escolhas. De luta. Entre o adormecer e o despertar.

E então ele acordou.

De uma hora para outra.

E durante um ano a gente ficou pensando no que seria a nossa vida, se cada um seguia para qualquer lado ou se corríamos na direção um do outro.
Enfim, ficamos juntos.
Uma noite ele entrou na minha oca e não saiu mais.
Pintamos o corpo como índios. Celebramos a noite.
Atordoados.

Mas quem não se atordoa com tanto amor?

terça-feira, outubro 24, 2006

Um bom menino não faz pipi na cama

Dicionário de sonhos da Rosely:
Quando você tem um pesadelo, tudo o que sonhou que dava errado na verdade é um sinal de que dará tudo muito certo na vida real.
Tirei esta conclusão observando alguns fenômenos que me ocorreram.
Por exemplo: na noite que precedia o vestibular, sonhei que havia uma impressora que anunciava o nome dos "fracassados".
Ela imprimia sem parar: Rosely - NÃO PASSOU, NÃO PASSOU, NÃO PASSOU, NÃO PASSOU...
Em outras oportunidades vi isso ocorrer também.
Então quando você acordar e tiver um sonho deste tipo, felicite-se! É no mínimo uma boa maneira de conseguir recuperar rapidamente o bom humor...

(Este post eu primeiro coloquei como comentário no blog da Joana, mas achei legal e resolvi aproveitá-lo para cá...)

sexta-feira, outubro 20, 2006

E aí, que bicho você é?

Com este frio em plena primavera (!) só há que se falar dos dias felizes que se passaram. Porque deste não tem muito o que dizer. E já estou farta de tanto reclamar deste tempo infernal.

Um sábado desses, por exemplo, fui com o Silvio a uma feira de jardinagem e paisagismo. Foi lá no Centro de Exposições Imigrantes. Aliás, eu e o Silvio sempre fizemos uns passeios meio programa de índio a vida toda.
A feira estava linda, mas o mais legal foi uma inesperada surpresa.
Quando estávamos indo embora, contornando o galpão, vimos aberta a porta da exposição que estava ocorrendo ao lado: espiando lá para dentro, pudemos conferir uma arena de areia, com placas de premiação (1o. lugar ao 5o.), um cercado com várias cabras e cabritos e ao fundo muitos bois e vacas.
Ah, tinha também uma loja de chapéus e artigos de couro.
Eu devia estar com uma cara tão encantada que o guarda se aproximou e nos convidou a entrar.
O mais engraçado é que quando nós estávamos chegando ao centro de convenções, sentimos um cheiro de esterco e nem imaginávamos que havia tantos bichos por ali. Concluímos que era cheiro de adubo, hihihihihi.
No fim era cheiro de bosta mesmo.
Vejam só que cena meiga: as cabras estavam balindo, olhando para uma mesma direção. Algumas até estavam apoiadas na cerca, só com duas patinhas no chão.
"O que será que elas estão querendo?" - fiquei pensando.
Foi quando vimos que estava estacionado ali um caminhãozinho de transporte de cabras.
Que interessante! As cabras já sabiam que iriam entrar no caminhão, por isso estavam tão ansiosas!
Tinham reações parecidas com as dos cachorros quando vão passear.
Então o funcionário começou a pegá-las no colo, uma a uma, para colocá-las no caminhão. Elas ajudavam com as patinhas e se colocavam rapidamente em algum lugar lá para dentro.
Achei o máximo!
Principalmente porque sempre tive uma idéia de bicho de pasto muito alienado do mundo, sem estímulos nem vontades... Como se esses bichos não tivessem a mínima idéia do que estivesse acontecendo em volta. Este dia me provou que eu estava completamente errada. As cabras realmente gostam de andar de carro. Sentem algum tipo de satisfação. Reconhecem coisas que lhe são apresentadas a seu universo.
Ah, eu estou cada vez mais apaixonada pelo mundo animal. Sempre me surpreende.

Até quando tive um peixinho beta, desses que ficam parados o tempo todo, percebi que se pode interagir com um peixe. Eu chegava perto do aquário, ele saía por detrás das pedras e ficava na superfície, vendo o que poderia acontecer (muito provável que esperasse comida hehehehe). Eu com o dedo provocava uma correnteza, circulando a água. Ele nadava na direção contrária... ah, ele era um barato.

Mas impressionante mesmo foi o tamanho dos bois e das vacas. Nossa, impressionante.
Tinha um corredor só de vaca malhada. Que pena que eu estava sem máquina fotográfica! Foi muito bonito de ver, muito emocionante também.
Os ruminantes por ali estavam com uma carinha bem amistosa. Devem ser tratados a pão de ló...
Mas merecem, não é verdade?
Só de serem assim tão lindos todos os animais deveriam ser super bem tratados!

E viva os bichos mais uma vez!

terça-feira, outubro 17, 2006

MONANGAMBA

Naquela roca grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações;

Naquela roca grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem as aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo? quem vai a tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipoia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em paga recebe desdem
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem?

Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer
- Quem?

Quem dá dinheiro para o patrão comprar
maquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande - ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertãoresponderão:

- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir ás palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras

- "Monangambéé...'"

António Jacinto, poeta angolano.

Poema editado pela primeira vez em 1961, quando Angola ainda era uma colônia portuguesa.
A Independência ocorreu somente em 1975, após uma guerra de libertação.
Em seguida, o país entrou em guerra civil, que terminou apenas em 2002.
Muito sangue neste café...

Alguém aceita um expresso?

segunda-feira, outubro 16, 2006

Fiorentina, Fiorentina, Fiorentina de Jesus

Outro dia eu escrevi que o Norton é o pior vírus do computador.
Mas o Márcio hoje ganhou de mim: chegou à conclusão de que o Windows é o pior vírus do computador!!!

sexta-feira, outubro 13, 2006

Super Timor!!

O bom de blog é que a gente não precisa ficar preso a uma estética, a um conceito, a uma definição. A gente pode escrever como nos der na telha. Podemos um dia falar sério, no outro dia... ah, fala sério! que tudo bem...
Então, hoje eu presto homenagem ao Super Timor!!
Para quem não viu, não sabe o que está perdendo!
A Clarice me apresentou o Super Timor e desde então faço parte da comunidade Super Timor no orkut. É... tem até comunidade!!
Se você gostar, participe... ah, mas quem não vai gostar deste balanço?

http://www.hibou.qc.ca/supertimor/timor.html
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=3205512

Letra completa!!!
SUPER TIMOR
Côte d`Ivoire - 1986

«(Bzzzzzzzzz)Ne tuez plus les moustiques avec
Des claques sur vos joues (aye),
Des claques sur vos cuisses (ouille ouille ouille),
Des claques sur vos bras (aye)…(Drrrrrrr)
Super Timor est la…
“Super Timor, est encore plus fort
Avec sa nouvelle formule (Super Timor)…
Le temps de sentir l´odeur Super Timor (pchhhhh, pchhhh),
Les insectes sont dejá morts (Super Timor)!”
Super Timor avec sa nouvelle formulle,
Timor 21Vraiment, vraiment plus fort !
(Super Timor, Super Timor)
Le numéro 1 !»

quarta-feira, outubro 11, 2006

Auuuuuuuuuuuuuu

Era uma vez um cachorro muito safado.
Tão safado que nem se dava conta da sua safadeza.
Porque naquele mundo dele, todo mimado e cheio de carinhos, não havia outra referência de vida, a não ser a de ser safado.
Um dia caiu um gatinho de cima do telhado, não sei como. Quase acontece uma desgraça. Cheguei da rua e logo vi que alguma coisa não estava bem. O Cachorrão estava estressado, com a língua de fora, não parava de andar. Quando vi, um gatinho, encurralado em cima da casinha do Cachorrão.
Ara, que sem vergonha! E por acaso um filhote fofinho é ameaça de alguém??
Mas não é a única safadeza de um cachorrão...
Ele já roubou sanduíche, pedaço de pizza, um pote de manteiga, quando ainda filhote comeu um sabão de coco.
Desta vez, todo mundo ficou preocupado, porque a diarréia não parava. Ele tinha tomado banho, só depois que me dei conta que o sabão tinha sumido.
Aí a gente percebeu o que tinha acontecido: ele tinha filado o sabão inteiro, quase novo.
Ah... safado, viu!!
Ele além de ser safado, é um cachorro entalado.
Isso mesmo... Toda vez que chove ele inventa de entrar em lugares que não cabe. Aí já viu... cachorro entalado.
E não gosta de tirar foto... a gente para tirar foto dele tem que disfarçar a câmera, porque senão ele só faz cara de coitado.

domingo, outubro 08, 2006

Linda garota de Berlim

Ontem eu estive passeando e refletindo acerca das belas palavras que nos rodeiam.
Passei por exemplo na estação Carandiru. Que linda palavra, Carandiru. Palavra que está amaldiçoada a ser feia. O que será que a bruxa que a enfeitiçou estipulou como quebra de feitiço? Enquanto isso, segue a linda palavra feia a esperar. Conto de fadas que espera a se realizar.
À noite comprei duas gérberas. Que linda palavra gérbera. Entrou na minha casa rosa e vermelha.
Tão linda quanto a palavra luz. Tão linda quanto à palavra terracota. Terracota é o nome da cor da luz do meu quarto.
Estou rodeada de palavras lindas. Elas me enfeitam o tempo todo. Me embevecem.
Um dia minha amiga Simone me falou que ela achava que eu ia andando na rua olhando por todos os lados e admirando tudo o que eu via. Simone tinha razão, tem ainda, Simone sempre terá razão sobre mim. Ela me conhece bem.
Que linda palavra Simone.
Que lindas palavras paineira, pitanga, romã, que doces palavras sargeta, caldo, deglutido. Cílios. Camarada. Língua. Certeza.
Eu fico toda confortável em meio a tantas palavras que me agradam.
Tão confortável que sinto sono.
Vou dormir as palavras. Sssssssssssssssssssss.
Apague a luz.
Terracota.

sábado, outubro 07, 2006

Lindos versos de amor

"O mais polêmico compositor do país chama de "atrasados" os brasileiros que sonham em ser americanos. Caetano Veloso solta o verbo na semana em que lança, pela primeira vez na vida, um disco que só traz músicas suas. Nada de outros compositores. A língua afiada de Caetano não poupa nem o próprio Caetano".

Eu não sou muito de assistir Fantástico. Mas passou um programa muito interessante de Regina Casé sobre Angola e Moçambique, e fiquei assistindo o Fantástico esperando a vez. Por um acaso eu acabei vendo uma entrevista com Caetano Veloso. Este é um cantor que admiro muito, gosto muito de suas composições, de sua voz. Com as opiniões e pessoa já não tenho tanta afinidade. Mas o que ele falou sobre os brasileiros que sonham em ser americanos (e também europeus, diga-se de passagem) eu achei ótimo. Porque acho isso mesmo, o Brasil tem tanto talento que nem se dá conta.
Detesto quando alguém ou alguma entidade trata o brasileiro como brega. Trata o baiano como tosco. Desdenha o artesanato caipira. Desdenha as coisas da própria terra.
Quando estive em Salvador, a trabalho, tive a oportunidade de conversar com um vendedor de colar. Ele me disse que só turista que comprava as suas criações, que baiano mesmo não queria saber.
No mesmo dia vi uma reportagem na televisão (acho que estava perto do dia dos namorados ou coisa assim) um monte de gente procurando colares de ouro e diamantes para comprar. Que tinha inclusive colares importados em promoção, por volta de R$300. Fiquei estupefata. Como valorizar tanto os degsiners de fora e desconsiderar um belíssimo colar de sementes coloridas? Colar cuja beleza inclui a criatividade do criador? Como justificar que um colar que custe R$ 30 as pessoas podem achar até caro e sem nem pestanejar estão gastando R$300 em prestação?
Não dá para entender.
Brasileiro é muito criativo, muito espontâneo, muito amigo, muito flexível. São qualidades de ouro. Se a indústria brasileira tem chance, põe o mundo no bolso.
Dá gosto de ver quando vejo uma loja chique vendendo fuchico. Biojóias se destacando. Notícias de artesanato brasileiro em exportação, de vento em popa. Bonecas de pano na moda.
Brasileiro tem que ser assim: brasileiro.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Vão cantando na rua

Amor e lágrimas

Ouve o mar que soluça na solidão
Ouve, amor, o mar que soluça
Na mais triste solidão
E ouve, amor, os ventos que voltam
Dos espaços que ninguém sabe
Sobre as ondas se debruçam
E soluçam de paixão
E ouve, amor, no fundo da noite
Como as árvores ao vento
Num lamento se debruçam
E soluçam para o chão

Vinícius de Moraes
http://www.viniciusdemoraes.com.br/

quarta-feira, outubro 04, 2006

E as pastorinhas, para consolo da lua


Outro dia estava comentando não sei o que com um amigo meu, dentro do elevador, com o Márcio ao lado, aí eu fui falar que eu tinha ficado com o cabelo em pé por algum motivo, me confundi e disse: "Fiquei com a orelha em pé!"

terça-feira, outubro 03, 2006

E a lua anda tonta com tanto esplendor

No último post eu falei de riqueza.
Hoje vou falar de miséria.
Não vou me estender na miséria humana, porque nós seres humanos somos muito miseráveis, em todos os lugares, em todos os povos, em todas as línguas. Sempre há alguém querendo dar uma de espertinho, querendo prejudicar o planeta, cheio de insensibilidade para com as pessoas e com o mundo. Vive-se uma vida cada um por si.
Quero falar, sim, sobre miséria. Porque ela existe, está muito próxima de nós. Está espalhada por tudo quanto é canto. E não é relativa: ou se é miserável, ou não é.
Miséria é quando a pessoa acorda sem saber se vai sobreviver aquele dia. Está completamente desamparada pela sociedade. Passa fome constantemente. Pode perder até noção da própria lucidez. Pode sentir dores, doenças, morrer de causas ínfimas. Sujeita-se a condições indignas. Não tem nenhuma chance de se estruturar de alguma maneira, porque tudo lhe é difícil, inacessível. Miséria é muito diferente de pobreza. Na miséria as possibilidades são mais reduzidas.
Acho engraçado o termo vagabundo de rua. Quem o utiliza só pode estar ignorando por completo a situação que envolve os desabrigados, principalmente os alcoólicos.
Há quem se ache superior a estas pessoas, e nem cogitam: se estivessem na situação deles agiriam de maneira?
Fácil fingir que no mundo não há dores, não há problemas. E se podemos fazer alguma coisa?
Sim.
Fácil.
Outro dia eu tive notícias do Antônio.
Ele é mendigo há anos na rua da mãe do Márcio.
Sempre se ofereceu comida, alguma roupa, uma conversa. Sempre se conheceu a sua estória.
Bêbado na maioria das vezes, lúcido um pouco do tempo, tinha vindo do interior, onde tinha deixado família. Não queria voltar para casa.
Outro dia, as notícias foram muito boas. Antônio estava "limpo". Já contava os dias sem embriaguez.
A igreja ali perto arrecada materiais recicláveis. Eu sempre separo os recicláveis do lixo e levo lá. Um pouco de tudo: papel, plástico, vidro. Embalagens na maioria das vezes. Em uma semana a gente junta tanta coisa que se não dá tempo de levar para a igreja faz uma bagunça. Mas tudo bem. São coisas da vida. O importante é que a gente continua cooperando.
Esta igreja conta com trabalhadores de bem. São ex-moradores de rua. Pessoas que antes tinham esquecido o que era ser tratado com respeito. Um senhor me disse que ficou emocionado na primeira vez que foi tratado por senhor. Que se sentiu gente de novo.
Pois é. Antônio chegou a esta igreja. Eles o enviaram a uma clínica de recuperação. Hoje trabalha no projeto. Tem uma vida, tem dignidade. Encara o vício como doença, o que realmente é.
Sei que infelizmente esses trabalhadores que carregam carroças o dia todo e fazem um grande bem à sociedade (porque fazem um serviço muito importante para o meio-ambiente e limpam as ruas) sofrem um tremendo preconceito. Infelizmente. Mas fazer o quê? O ser humano é miserável. Nem sempre tem competência para avaliar o certo e o errado.
Enfim, fiquei muito satisfeita por este meu trabalho de reciclagem aqui em casa. Senti até orgulho de minha família que me ajuda nesta tarefa. Senti-me feliz por saber dos resultados.
A gente não consegue consertar o mundo. Não dá. Muita coisa não tem nem conserto, infelizmente. Mas isso não quer dizer que a gente não precise fazer absolutamente nada. No mínimo, podemos manter a nossa cabeça aberta e não desrespeitar aquele que sofre.