quarta-feira, janeiro 24, 2007

Volto ao jardim

Agora em janeiro, passeei e passei alguns dias com minha mãe, pois ela estava de férias. Fomos ao Mercado Municipal, onde comprei um delicioso vidro de mel de flores de laranjeira.
Outro dia precisei ir ao centro, comprar um livro que tinha encomendado em um sebo. Na livraria R$ 60,00, no alfarrábio R$ 20,00, fui o quanto antes.
Ao passarmos pela Rua Marcondes, ela me mostrou o prédio onde nasceu. Disse assim que meu avô era zelador. A sogra de minha vó ficou rezando 12 horas na barriga de minha vó, e minha mãe não queria nascer. Nem parteira acompanhou, que eles não podiam pagar. Por fim, deu tudo certo, como vocês sabem (pois que estou neste momento escrevendo para vocês!).
Ela me mostrou as ruas por onde andava, o colégio onde estudou. Eu nem fazia idéia desta estória. Talvez ela já tenha me contado, e eu tinha esquecido...
Minha vó já é falecida. Morreu em algum tempo da minha memória e não sei nem dizer quando foi.
Outro dia vi uma foto dela, imagem que guardo em meu coração: ela sorrindo, na frente de casa, segurando a coleira do cachorrinho, que ela levava para passear todos os dias. Eu adorava ir com ela nos becos aqui perto de casa.
Se me perguntarem, digo que não sinto nenhuma saudades da minha infância. A muito custo me livrei da ingenuidade (mas nem toda) e com muita gula li muitos livros que eu queria conhecer. Naquela época, o não saber me incomodava. Agora já me acostumei com o não saber. Sei que não vou saber até o fim da minha vida, eu me conformei com a idéia. Continuo gulosa, entretanto.
Mas sinto saudades de minha vó. Fico contente quando penso que ela teve a oportunidade de conhecer o Márcio.
Elza, nome de mulher forte. Mulher de músculos. Mulher cheia de estórias que eu ficava ouvindo muito atenta.
Minha avó se formou em fisioterapia. Trabalhou no jóquei. Divorciou-se. Comprou casa.
Mulher que teve a mulher Virgínia que teve a mulher Rosely.
Elza e Rosely, duas letras só de coincidência no nome. Mas de sobrenome é igualzinho.
O que minha mãe me deu de maior presente na vida foi ter me levado, aos meus 13 anos de idade, a uma creche longe na favela, para eu ser voluntária.
Não estávamos dando esmola, nem entregando roupas ou brinquedos, coisas que foram minhas, mas que não tinham sido minhas de verdade. Porque não as tinha comprado. Eu pude dar o que de mim pertencia: eu mesma. O meu carinho, a minha ajuda nas trocas de roupa, as minhas estórias que eu inventava para as classes cheias de crianças.
Sabem o bem que faz a uma adolescente entrar numa sala e um monte de crianças gritarem seu nome tinindo de felicidade? Pois era assim mesmo: eu chegava na creche, alguma criança me via e ia logo anunciando: Tia Rosely! Tia Rosely! E num segundo se formava o coro.
E às vezes elas me pegavam desavisada, avançavam sobre mim que até me derrubavam no chão.
E eu beijava o rosto de uma por uma, feliz por me melecar toda.
A hora mais feliz era na do lanche, em que ajudava na distribuição de pão com manteiga e leite de soja em canecas de plástico. Depois que todas as crianças estavam servidas, sentava eu na cadeirinha e dividia do mesmo pão, do mesmo leite.
A hora mais triste era a de quando as mães chegavam, porque todos aqueles pimpolhos que me amavam me esqueciam e corriam para outras mulheres. Mas não me deixavam vazia. Eu saía plena.
Eu ia de sala em sala contar estórias. Toda quarta-feira à tarde. E fiz isso por mais de cinco anos.
Cresci rodeada de amor. Cresci interiormente.
Fui uma erva daninha que se segurou na terra na tempestade e ainda floriu.
Sou agora uma orquídea.

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