segunda-feira, novembro 20, 2006

Preta, preta, pretinha

"Dia 20 de novembro é o dia Nacional da Consciência Negra. A data marca o assassinato de Zumbi, em 1695, um dos últimos líderes do Quilombo dos Palmares.
O reconhecimento dessa data para lembrar a contribuição negra à história brasileira, e as mazelas da escravidão e do racismo, reveste-se de muitos significados.
Primeiro, é uma referência a um líder negro, lembrando que a história oficial pouco reconhece heróis populares, muito menos da raça negra. A data substitui pouco a pouco o 13 de maio, uma data da história oficial, na qual se comemora uma liberdade por decreto. ¬Liberdade que trocou a senzala e o pelourinho pelo racismo velado e pela discriminação sistematicamente arquitetada.
Símbolos da cultura negra continuam sendo desarticulados e transformados em signos folclóricos de brasilidade. Até uma apetitosa iguaria, o acarajé, tem sido identificado pela intolerância como símbolo do demônio. Mal sabem eles que o acarajé será registrado pelo IPHAN como patrimônio imaterial da cultura brasileira".
http://www.sesctv.org.br/editorial.cfm

Hoje, em São Paulo, é feriado.

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA.

Muito feliz esta iniciativa. Tem um monte de feriado no ano que passa e a gente não sabe nem o que é, só pensa alegremente no dia de folga, ou no passeio, ou na praia, enfim, o dia comemorativo acontece e não há nenhuma repercussão nas pessoas.

Porém, este dia da consciência negra me parece diferente, porque ouvi muita gente comentando, até com muitas dúvidas, sobre este dia e sobre a importância ou não deste feriado. Eu acho ótimo que se motive um monte de eventos para personagens, personalidades, estórias, expressões diversas e negras.
Afinal, embora a mídia seja composta de atores e apresentadores e etc todos brancos (ah, sim, agora tem meia dúzia de negros na novela), na realidade o Brasil é negro. Nós, brasileiros todos, precisamos redescobrir as nossas culturas, porque sempre fomos enganados por uma ideologia branca. Precisamos descobrir o que há de África em todos nós. Não somos apenas os imigrantes europeus. Não somos apenas os portugueses.
Somos o que veio de todos os lados do mundo.

Mas desconhecemos África.

África no máximo é uma visão de safári no meio da selva. São algumas tribos selvagens. São algumas religiões estranhas, objetos místicos.
A estória da África muitas vezes se resume inescrupulosamente um século de escravidão, onde os negros sofreram um pouco. Foram dominados sem resistência, embarcados nos navios negreiros. Como se não passassem de uns coitados.
Temos a impressão de que o mundo pode ensinar a África, mas que a África não tem nada a nos ensinar. Como se África fosse um país desamparado economica, financeira, cultural e intelectualmente.
Como se África não tivesse ensinado NADA para o Brasil.
Como se a civilização tivesse transformado os negros que chegaram aqui, e não o CONTRÁRIO.

Mas a verdade não se transforma pelas palavras. A verdade só se transforma na cabeça das pessoas. Não se transforma na realidade. E a realidade é que o Brasil é o que é hoje porque também é fruto de ÁFRICA.
SOMOS FILHOS DE ÁFRICA TAMBÉM.

Também temos que chamá-la de MÃE, e agradecer tudo o que ela nos deu.
Nossa vida, nossa comida, nossa música, nossa dança, nossa ancestralidade.

Que povos viviam em África? Que reinos? Que tecnologias existiam? Que culturas, que princípios, que compêndio intelectual adormeceu com os mais velhos, que contavam estórias e que se calaram?
Qual a geografia dos seus países, quais seus climas variados, quais são suas etnias, quais as riquezas materiais e imateriais?

Segue poema Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!, de António Jacinto, poeta angolano. Retirado do livro: Sobreviver em Tarrafal de Santiago.

Um retângulo oco na parede caiada Mãe
Três barras de ferro horizontais Mãe
Na vertical oito varões Mãe
Ao todo
vinte e quatro quadrados Mãe
No aro exterior
Dois caixilhos Mãe
somam
doze retângulos de vidro Mãe
As barras e os varões nos vidros
projetam sombras nos vidros
feitos espelhos Mãe
Lá fora é noite Mãe
O Campo
a povoação
a ilha
o arquipélago
o mundo que não se vê Mãe
Dum lado e doutro, a Morte, Mãe
A morte como a sombra que passa pela vidraça Mãe
A morte sem boca sem rosto sem gritos Mãe
E lá fora é o lá fora que se não vê Mãe
Cale-se o que não se vê Mãe
e veja-se o que se sente Mãe
que o poema está no que
e como se vê, Mãe
Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!
Mãe
aqui não há poesia
É triste, Mãe
Já não haver poesia
Mãe, não há poesia, não há
Mãe
Num cavalo de nuvens brancas
o luar incendeia carícias
e vem, por sobre meu rosto magro
deixar teus beijos Mãe, teus beijos Mãe
Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!

Mais alguns poemas deste autor:
http://betogomes.sites.uol.com.br/AntonioJacinto.htm

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu acho esse feriado a coisa mais ridícula do mundo.

O povo fica falando sobre racismo, que todos são iguais, mas fazem um feriado para negros. Pura hipocrisia. É o feriado mais racista que conheço...

Enfim...

Rosely Zenker disse...

Olá!
Obrigada por participar!
Acho que todo mundo tem direito à opinião que quiser.
Mas eu pessoalmente nunca tinha visto tanto evento, tanta manifestação, tanta discussão a respeito da causa negra como neste feriado.
Acho que se não está ocorrendo uma coisa tão necessária de maneira espontânea, o governo deve realmente intervir e estimular.

Anônimo disse...

Imagino que não tenha problema de comentar duas vezes, né?

Eu gostei disso, de ter participação e etc. Mas a base do racismo (que é o que é condenado), é a "diferenciação" (eu lá sei se essa palavra existe) das pessoas de cores diferentes. Essa "Lei de Cotas" que existe, é outro exemplo de puro racismo.

Poxa, se condenam as pessoas que diferenciam os negros apenas pela sua cor, não poderiam aceitar esse tipo de "distinção", concorda comigo?

Bom... tirando as reflexões,positivas ou não, tive um dia de folga :) huehuehue

Rosely Zenker disse...

Já falei uma vez e reafirmo: o que nos é de direito, a sociedade não nos dá de mão beijada.
E se passamos muito despercebidos quando queríamos ser vistos, precisamos chamar mais atenção que os outros.
Acho que o movimento negro tem discutido muito sobre bases históricas (porque afinal não é à toa que a maioria negra ficou à marginalidade) e acontecimentos atuais. E não só no Brasil.
É natural que apareçam propostas cada vez mais viáveis.
Discussões polêmicas são mais interessantes porque estimulam o conhecimento sobre um assunto.
E esta semana oferece um monte de palestras por aí, pelo menos em São Paulo...

Rosely Zenker disse...

Já falei uma vez e reafirmo: o que nos é de direito, a sociedade não nos dá de mão beijada.
E se passamos muito despercebidos quando queríamos ser vistos, precisamos chamar mais atenção que os outros.
Acho que o movimento negro tem discutido muito sobre bases históricas (porque afinal não é à toa que a maioria negra ficou à marginalidade) e acontecimentos atuais. E não só no Brasil.
É natural que apareçam propostas cada vez mais viáveis.
Discussões polêmicas são mais interessantes porque estimulam o conhecimento sobre um assunto.
E esta semana oferece um monte de palestras por aí, pelo menos em São Paulo...