segunda-feira, agosto 18, 2014

[FIC] Un jour tu verras

“Un jour, tu verras
On se rencontrera
Quelque part n’importe où
Guidés par le hasard
Nous nous regarderons
Et nous nous sourirons
Et la main dans la main
Par les rues nous irons”
Edith Piaf

“Um dia, você vai ver,
A gente vai se encontrar
Em qualquer lugar, não importa onde
Guiados pelo destino
Nos olharemos,
E nos sorriremos,
De mãos dadas
Pelas ruas iremos...”


É engraçado pensar que, ao conhecer uma pessoa, talvez ela já faça parte da sua rotina de alguma forma e você nem saiba.
Por exemplo, pode ser que um e outro frequentem o mesmo mercadinho perto de casa. Um vem pelo lado direito, o outro pelo lado esquerdo, nunca se cruzando naquele caminho. Talvez um dia tenham estado na mesma farmácia, ao mesmo tempo: um em uma prateleira diferente, sem terem se visto. Um apenas alguns passos do outro na fila.
Muitas pessoas correm no parque. Muitas pessoas correm de manhã. Quando se entra cedo ao trabalho e é imprescindível que se esteja em boa forma física para o bom exercício de sua profissão, pode-se adquirir o hábito de sair de casa antes que a vida comece na cidade para tanto. Um parque normalmente tem várias vias de acesso, com algumas possibilidades de percurso. Muitas pessoas acabam pisando no mesmo solo, na mesma intensidade, no mesmo pensar, na mesma pegada, sem nunca compartilhar nada além daquele mesmo espaço.
Algumas pessoas, porém, parecem destinadas a se conhecer.
Há a primeira oportunidade: inscrevem-se, por exemplo, no mesmo congresso. Os dois serão palestrantes. Podem, por isso, encontrar-se por acaso no intervalo, talvez esperando a vez de se servir de café com a xícara na mão. Talvez se encontrem, talvez não.
Outra oportunidade: são escalados para o mesmo plantão, atender o mesmo caso, preocupados em analisar e conter a mesma situação. Os olhos podem se cruzar ou não: afinal de contas olham para o mesmo lugar, para a mesma pessoa que os ameaça, que segura o revólver contra o refém. Ambos com a mesma expectativa, com o mesmo coração batendo atento.
Mas, novamente, pode ser que não se encontrem.
O destino não é um senhor de barbas, que fica em sua cadeira confortável, à frente uma planilha Excel controlando horários. O destino é relapso. Não se preocupa se as pessoas deveriam ter se encontrado antes, se às vezes é tarde demais, se passaram 10 anos, 20 anos percorrendo a mesma trilha sem ao menos se esbarrar. Mas isso porque a vida não é justa, e apenas quando o destino se desvencilha das teias emaranhadas da vida é que pode enfim se realizar. O destino. Mas quem acredita nele? Quem acredita que haja efetivamente uma energia desconhecida no universo a movimentar todos os átomos, todos os corpos celestes, tudo. Quem acredita que há um destino que nos move à melhor possibilidade do que podemos ser?
Muitas pessoas não acreditam em destino porque não se conformam com o destino que tiveram. Mas o destino não sabe distinguir eventos bons de ruins. O destino apenas sabe que cada pessoa tem uma estória diferente. Cada uma que se vire para entender e conviver com a própria estória.
Muitas pessoas não acreditam em destino porque talvez ele seja um conceito para lá de abstrato. O que não se pode medir, o que não se pode dissecar, o que não se pode analisar numericamente prós e contras, entrevistar, colocar na balança, espetar, colocar no microscópio, tudo o que não se pode entender, não existe.
De fato, destino existe. Não estou dizendo que esteja determinado. Não estou dizendo que há alguém ou alguma entidade que o controla, que manipula acontecimentos e pessoas. Cada um que acredite no que quiser.
Mas não se pode negar que cada um tem um destino. O destino é o lugar para onde se vai ou para onde se foi. É o resultado de uma determinada época, de um tempo, de um momento. Todo mundo tem ou teve ou terá um destino.
E, como eu ia dizendo, parece que algumas pessoas estão destinadas a se conhecer. Porque têm os mesmos interesses, porque fazem parte de alguma mesma partição de algum fenômeno ou instituição.
Spencer Reid, por exemplo, anda para cima e para baixo do país. É provável que vez ou outra encontre pessoas de sua cidade espalhadas em outros locais. Porque ele viaja muito. É possível que um dia esteja num restaurante e ali mesmo esteja uma pessoa que foi amiga de um colega seu na escola. Porque ele se expõe muito.
Kaa, outra pessoa a ter muito contato com o mundo, com o público. Talvez já tenham falado com pessoas em comum, mesmo que brevemente. Sua profissão também exige entrada em delegacias, em presídios, em bibliotecas, ou seja, não é preciso ter muita fé em destino para se acreditar que talvez, um dia, eles se encontrem.
O engraçado é que o destino às vezes deixa de ser evasivo e toma atitudes agressivas.
Digamos que um e outro precisem um determinado documento. Não precisa nem ser o mesmo documento. Mas faz de conta que necessitem obter essa documentação em um certo guichê, o mesmo guichê. Dependem do atendimento da mesma funcionária. E a obtenção dos dados que necessitam é urgente: a vida de outras pessoas depende disso. Já é noite, o guichê já está fechado. No dia seguinte, estarão concorrendo o primeiro lugar na fila. Inevitável. Vão se encontrar. Certamente.
O destino realmente não é um senhor de barbas. Porque, se fosse, pegaria as pessoas pela mão e as guiaria pessoalmente. Não teria paciência de esperar a casualidade. Quando houvesse interesse, colocaria a mão de uma pessoa sobre a outra. Não lidaria com a timidez dos outros. Não ficaria na espera, no camarote assistindo tudo sem poder intervir, sem fazer o que é certo. O senhor de barbas talvez até falasse em voz alta: este aqui é o seu destino e esse aqui é o seu. É o mesmo destino. Sou eu quem determino.
Bom, no dia seguinte, um e outro vão se encontrar. Ai, que frio na barriga. Eles nem desconfiam. Nem imaginam. Como a vida pode mudar tanto quando a gente conhece alguém. Até ontem, a vida era assim. Agora vai ser de outro jeito.
Tem gente que até imagina que nunca mudaria a vida. As coisas já estão tão no seu lugar, tão na sua rotina, tão tranquilas e do jeito que deveriam estar... por que alterar, não é mesmo?
Ah, eles vão se encontrar amanhã. Vão perceber que um tem informações preciosas ao outro. Vão sentar juntos rapidamente, entretidos com o dever. Vão trocar telefone para conversarem melhor a respeito. E quando o caso acabar, a vontade de se falar novamente vai surgir. Como eu sei? Ah, algumas coisas são óbvias.
Talvez o destino seja um senhor de barbas. Talvez nem sejam brancas, talvez o destino seja apenas relapso. Talvez ele nos sopre nos ouvidos, “vá por aqui, boba”, “vá por ali, bobo”. Mas, por onde quer que a gente vá, encontraremos nosso destino afinal. Porque todo mundo tem uma estória. Uma estória única.
Talvez vocês me achem ingênua por pensar assim. Mas, independentemente do que eu acredite, o que é realidade, acontece. Não cai a chuva sem a gente saber quando e onde exatamente? Nem a chuva sabe quando vai chover.
Mas... quem sabe o destino saiba?

Fic postada no orkut dia 06/02/2010

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