sexta-feira, setembro 26, 2014

fic Um pirulito pelos seus pensamentos

Os agentes mal podiam acreditar em tudo o que estavam lendo no blog “confissões de uma assassina em série” de apenas 16 anos, que tinha iniciado sua jornada aos treze anos. Foram três anos relatando todas as suas angústias, decepções com amigos, família, escola, enfim, desilusões com o mundo que nunca conseguia dar conta de promover algum consolo àquela alma tão perturbada e precisando de ajuda, e sua válvula de escape: provocar a morte de pessoas inocentes das mais variadas maneiras. A garota relatava seu alívio passageiro de sua mente conturbada e que não conseguia ver nada além de desesperança e dor nem em sua vida, nem em toda sua volta. Tudo ali, para quem quisesse ver. Para quem quisesse impedir. Para quem quisesse socorrer. “Eu sou invisível”, reclamava a garota, e o blog ativo por tanto tempo comprovava sua certeza de que nada nem ninguém poderia percebê-la, perceber sua presença, seus medos, seus estranhos e mórbidos desejos.

Prentiss instintivamente coloca as mãos nos brincos, no colar, ajustava o relógio. Aquelas palavras tão maduras de uma jovem que iniciava tão criança seu percurso de tristeza tocavam seu coração. Sempre que havia algo de humano em um serial killer, tudo ficava mais complicado, mesmo para ela que sabia ‘compartimentar’ tão bem seus sentimentos. A solidão expressa pela garota encontra ecos de suas lembranças no período que ficara afastada de seus melhores amigos. “A vida não tem nenhum significado”, desabafava a garota, “para mim nada importa. Eu olho em volta e tudo é estranho a mim, não tenho nenhum vínculo com nada à minha volta”. Sem dúvida, um relato carregado de humanidade, um relato tão sensível, tão intenso. E, infelizmente, perdido por muito tempo. Agora já era tarde demais, a garota já estava comprometida demais com sua perturbação, já havia causado danos irremediáveis, a si mesma e à sociedade.

“Não é como se eu não conseguisse gostar de alguém. Eu até gosto das pessoas. Mas parece que isso é só pior. Quando um estranho te machuca, você simplesmente não se importa, porque aquela pessoa não significa nada para você. Mas quando um amigo te decepciona, isso é a morte. Ninguém que eu goste consegue ser paciente comigo, ninguém que eu goste consegue entender que eu preciso de compreensão, que eu preciso de apoio. Eu preciso que alguém se lembre de mim, que me telefone, que convide para fazer alguma coisa. Eu preciso que alguém compartilhe comigo alguma coisa. Mas quando uma pessoa que eu considerava ‘amigo’ simplesmente se esquece da minha existência, isso machuca muito. Muito mesmo. Eu me esforço pelas pessoas. Por que as pessoas não se esforçam por mim? É pedir muito que percebam que eu faltei na aula uma semana? Eu falo que estive com febre e ninguém mais me pergunta nada. Não me pergunta se melhorei, se preciso de alguma ajuda. Eu não estive com febre, estive no quarto fazendo compressas no meu corpo, contendo sangue com as mãos, esperando as marcas visíveis do meu rosto desaparecerem. Ninguém percebe? Como ninguém percebe que algo muito errado está acontecendo em minha casa?”

Reid já de muito tempo havia superado a dor das mentiras dos amigos sobre a morte de Prentiss. Sim, existem regras, regras de confidencialidade que interferem no seu trabalho. Regras e protocolos que interferiram no seu relacionamento com as pessoas com quem trabalha diretamente, pessoas em quem confia. Mas, sem dúvida, descobrir a verdade doeu, e doeu muito mais por conta da amizade que ele tem por estas pessoas. Se fossem apenas colegas de trabalho, talvez tivesse superado mais rápido, talvez sua dor não tivesse sido tanta. A sensação da traição, ele entende isso. E entende também que às vezes a vida é um pouco mais complicada do que se possa compreender. Nem sempre é possível fazer ‘a coisa certa’, porque ‘a coisa certa’ pode ser impossível. Às vezes, agir ou não agir, nada vai desencadear uma situação ideal. Nada produz um bom resultado. É preciso viver com as cartas que estão na mesa, dançar conforme a música, aceitar as dificuldades e superar as tristezas tendo em vista as reais possibilidades dos recursos que estão à mão.

__ Pobre garota, - comove-se Garcia. - Ela mostra aqui no mundo virtual seu verdadeiro eu, seu mais verdadeiro íntimo. Ninguém escutou.

__ Por se mostrar assim tão transparente no blog, Garcia, certamente esta garota disfarçava tão bem seu estado de perturbação que ninguém poderia perceber mesmo. Ninguém suspeita, pode ter certeza disso. Ninguém imagina o tanto que ela passou e no que se tornou, no que é capaz de fazer. – Morgan explica.

__ Ela se sente totalmente desconectada do mundo e está mergulhada em pensamentos negativos. – acrescenta Reid.

__ Acumulou durante anos uma dor muito grande em si mesma e nunca dividiu isso com ninguém, nunca exteriorizou isso. Essa dor agora age. Ela tenta reproduzir esta dor em suas vítimas...  – Rossi conclui.

Superar a dor, lidar com a dor, viver com a dor e não deixar que ela se espalhe e tome conta: tarefa árdua a todo ser humano. Aqui um caso evidente de como a mágoa pode envenenar a mente, desestruturar a mente, comprometer a mente.

E nem sempre é possível superar sozinho. Às vezes é preciso ajuda e muita ajuda.

“Há algo bonito em ser agredido. Há um segundo antes da agressão em que o mundo parece que para. É aquele ventinho na face antes do tapa. É o momento: é agora, agora vai doer. O momento antes que algo encoste na vagina. Neste segundo, tudo é bonito, tudo é intocável, tudo é purificado. E, quando tudo já está acontecendo, quando você já nem se importa de tudo o que está sofrendo, tudo volta a este estado bonito, intocável, purificado. Porque, não importa o quanto a violência esteja te atingindo, ela não te atinge verdadeiramente. Porque, em um dado momento, tudo simplesmente para de doer. Você para de pensar. E nada mais importa. Nada mais dói, porque dói demais, além do que se pode aguentar. Então o seu sangue, o gosto do seu sangue, torna-se o melhor gosto do mundo. O seu coração batendo torna-se a coisa mais bonita do mundo. Porque, em um dado momento, é como se estivesse tudo imobilizado, até o coração parado. É uma boa sensação”.

Hotch franze a testa. É tão impactante que uma garota consiga ter uma percepção tão poética de sua triste existência, e que essa mesma capacidade de sentir e transcender se torne um desejo assassino tão feroz. Ele mesmo, se tivesse que escrever sobre sua experiência de agressão, sobre os momentos em que esteve sob o domínio de Foyet, recebendo as facadas, ele mesmo não conseguiria descrever com tanta precisão o que tinha sentido. E aos 14 anos aquela garota conseguia. Se tivesse tido ajuda, se não tivesse passado por tanto, que exímio talento ali! Que futuro brilhante teria tido...

E aquela garota já tinha encerrado seu blog. Tinha encerrado dois meses antes, quando passou a adotar um mesmo M.O., quando finalmente chamou a atenção da polícia e do FBI. Tinha desistido de blogar, partia para a violência gratuita e descontrolada, principalmente contra crianças. Mas o que tinha deixado ali serviria de rastro para que o time da BAU previsse seus passos seguintes.

__ Nós vamos encontrá-la! – afirma Prentiss. – Não é tarde demais.

__ Vocês estão pedindo para que eu traia a minha filha!
__ Não, nós estamos pedindo para que você salve a vida dela! - argumenta Prentiss, diante a mãe.
__ Cara senhora, há muitas pessoas com raiva de sua filha. Com ódio! As famílias das vítimas, as pessoas na rua, a polícia... estão todos supervigilantes e ela não vai escapar se alguém a encontrar antes que a gente! - completa Hotch.
__ Não posso desconsiderar a chance de ela fugir! Eu nunca que desejaria à minha filha a mesma vida que eu tenho aqui!
A mãe está na cadeia. Já está lá há pouco mais de 10 anos. A última vez que tinha visto sua filha tinha sido aos seis anos de idade. A mãe ainda tem um longo período a cumprir. Talvez nunca se encontrem novamente...
__ Mas é melhor salvá-la, senhora! Por favor, veja o que sua filha tem escrito há três anos em seu blog na internet: "Não posso dizer que sou feliz fazendo o que faço. Não sei se alguém sente prazer ou felicidade fazendo isso. Eu me sinto muito mal. Eu me sinto um lixo. Acordo lixo, ando lixo por aí, vou dormir lixo. Há realmente um tipo de suspiro de alívio em mim quando vejo o último suspiro de alguém. Mas é só um suspiro. Não me lembro da última vez em que estive bem, duvido que eu me sinta melhor um dia. Para mim, não há mais chance". - adiciona Prentiss.
__ Senhora, nós estamos pedindo que ouça o apelo de sua própria filha. Tudo o que ela escreve é um grito de socorro. Ela sofre um distúrbio, nós precisamos encontrá-la para impedir que ela mate novamente. Somente isso que pudéssemos fazer já é uma ajuda a ela, você entende? - Hotch.
__ Ela é de menor... vai poder sair com 18 anos? - a mãe, já com lágrimas nos olhos.
__ Não, senhora, ela não vai sair. O que tem feito já é por demais de grave para haver chance de sair livre. Mas ela não está livre, você não percebe? - Prentiss.
__ Mas ela será julgada como incapaz. Sua filha, pelo que observamos nos seus textos, sofre de um distúrbio dissociativo. O que ela sofreu foi tão forte que ela teve que se afastar de si mesma para suportar. - Hotch.
__ O que é dissociativo?
__ Quer dizer que ela se sente outras pessoas. É como se tivesse múltipla personalidade, mas não como se vê no cinema... ela não tem outros nomes, não tem modos diferentes de se vestir ou de se portar, mas deve, sim, ter brancos em sua memória, assumir diferentes modos de reagir, diferentes modos de pensar. Sei que é confuso, mas tudo o que você precisa saber agora é que o melhor que pode fazer por sua filha é confiar em nós. - Prentiss.
__ O que devo fazer? - pergunta a mãe.
Hotch e Prentiss sabem que, como a própria adolescente relatara em seus textos, ela procura por um lugar que frequentou na infância. E, segundo indicações do blog, é um local que ia com sua mãe, enquanto esta talvez exercesse alguma atividade ilícita, talvez um laboratório de processamento de drogas. Embora a mãe estivesse presa por tráfico de drogas, não havia nenhuma indicação em sua ficha de onde pudesse ser este laboratório, quem sabe ainda em atividade.

__ Você parece distraída. - comenta Hotch.
__ Não consigo entender como uma mãe prefere proteger um endereço de tráfico do que fazer de tudo para salvar a própria filha.
__ Ela vai entrar em contato com seus antigos companheiros para avisar que sua filha está procurando pelo local. Assim rastrearemos essas pessoas, nós vamos encontrá-la.
__ Não duvido que a gente consiga localizar este laboratório. Mas será que esta garota vai conseguir encontrá-lo? Está tão perturbada, será que vai conseguir reconhecer algum detalhe do caminho, mesmo que passe por perto? Não sei. Estou com um mal pressentimento quanto a este caso.
__ Esta garota aborda assuntos que mexem com todos nós da equipe. A maneira de como descreve sua dor é universal.
__ Sim, põe a gente a pensar, sim...

"Lembro do pátio. Na parede, separadas, gaiolas penduradas expunham lindos pássaros. Havia um deles que de início eu achava o mais feio: ele era todo cinza. Sim, cinza! Mas não acho que era sua cor natural, não... acho que estava sujo. Mas ele cantava tão alto e tão bonito... Do mais feio, passou a ser para mim o mais bonito. Estranho como algo assim pode acontecer, não é mesmo? Primeiro a gente não gosta, é o último de mais bonito. Depois, quando o sentimento vem, passa a ser o mais lindo de todos. E eu sentia o peito cantar quando o pássaro cantava. Cantavam no mesmo tom. Eu sei que se voltar lá e pelo menos a gaoila estiver ainda, sei que vou sentir meu peito quente novamente, aquecido pelo canto do pássaro. Vou me lembrar de sua voz, vou me lembrar de seu calor entrando em mim. Agora estou tão morta, faria qualquer coisa que despertasse algo de vivo em mim. Ou que me matasse de vez. Mas eu não vou me matar. Não que eu não conseguisse. Se eu quisesse, mas não quero. A vida não vale nada, estou mais que convencida disso. Por que eu haveria de me matar? Para nada? Para nada, não adianta. Se valesse por alguma coisa, mas não vale. Eu tenho pensado cada vez mais neste pássaro. Quero ficar diante sua gaiola, mesmo que vazia, e confessar tudo o que tenho feito. Aqui, não vale como confissão. Aqui, não estou conversando com ninguém a não ser eu mesma. Se eu me aproximar da gaiola, sei que vou reconhecer a alma do pássaro nela. Ele vai estar lá, não há outra coisa que ele tenha conhecido na vida a não ser a gaiola. Ele continua lá preso, assim como meu coração continua preso à dor que sempre esteve comigo desde o dia em que nasci. Conversar com o pássaro vai me fazer bem. Vai me fazer bem confessar da minha solidão, da minha escuridão. Há anos que não falo nada de mim para ninguém, talvez eu esteja até louca. Se a gente não conversa, enlouquece. Nunca ninguém quis me ouvir, nunca ninguém apareceu para me ouvir. Agora eu preciso sair e ir à procura deste pássaro."

__ Talvez um dia a gente possa conversar, Prentiss. Conversar sobre o período em que você esteve longe.
__ Você está me dizendo que precisa conversar sobre o período em que eu estive longe?
Hotch não responde.
__ Ok, um dia vamos conversar sobre isso.
__ Fale comigo, Baby girl...

__ Ah, Morgan, você sabe exatamente o que me perturba! Não preciso nem explicar! Você nem precisaria ser um profiler para entender o que estou passando agora.

__ Sim, você também procurou, na sua adolescência, um caminho para extravasar tudo o que estava sentindo. Tudo bem, não estou julgando... mas há uma grande diferença, Garcia, entre querer desafiar o mundo através da contravenção e querer sanar suas dores tirando outras vidas! Esta menina não é nada parecida com você.

__ Morgan, há muito tempo antes de começar a matar esta menina colocou na internet todas as suas angústias, todos à sua volta falharam com ela, houve tempo suficiente para se perceber que algo estava acontecendo de errado e simplesmente ninguém viu! Ninguém viu, Morgan!

__ Eu sei, Garcia... mas por mais dedicada que você seja e por mais tempo que estivesse conectada, não haveria como descobrir este blog antes! Garcia, são milhões de informações que entram na rede todos os dias, não há como verificar tudo! Você não pode se culpar por não ter visto este blog antes!

__ E agora? O que vai acontecer com esta garota? Em primeiro lugar, ela é uma vítima!

__ Garcia, eu não sou Reid, não tenho a estatística e os dados exatos para te passar agora e se você perguntar ao Reid ele te responderá na hora um número exorbitante de vítimas que todos os dias sofrem abuso. E essas vítimas não se tornaram agressores, não se tornaram assassinos. Se você pensar, muitos assassinos passaram por fases muito difíceis na vida, mas isso nunca foi desculpa ou justificativa para seus atos criminosos e cruéis!

__ É verdade, você tem razão.

__ Se nós somente daqui cinco anos tivéssemos descoberto sobre ela, você teria a mesma reação? Não podemos deixar nossos sentimentos interferirem no nosso trabalho. Apesar de ela ter sofrido tudo o que sofreu, ainda estar sofrendo e ser menor de idade, temos que encontrá-la, temos que trazê-la à lei.

__ Isso se conseguirmos encontrá-la, Morgan. Isso se conseguirmos encontrá-la antes de alguém vingativo e com raiva de tudo o que ela está fazendo.

__ Garcia, tenho que ir. Fique bem! Nós vamos encontrá-la. Por isso precisamos que você esteja focada, ok?

__ Você também, meu amor!

__ Hotch, você está bem?

“Hoje na escola aconteceu algo que achei muito inusitado. Considere assim: A e B eram amigas, mas aí B traiu a confiança de A. Mas traiu feio. Ficaram um tempo sem se falar. Hoje, A disse que perdoou B. Mas é tão óbvio que não perdoou! Acho que A não quer ficar por fora do círculo de amizades de B. Olha, acho que a maior parte dos relacionamentos são superficiais. Assim: as pessoas se declaram amigas eternas. Mas basta um mínimo problema que a amizade cai por água abaixo. Se há um relacionamento mais complexo, os amigos fazem de tudo para superar o que causou o problema. Conversam entre si. Tentam superar. A não superou nada, está na cara que não superou. Mas também não quer perder os privilégios de andar com B. Por que as pessoas agem assim? Já vi amigos por motivos muito bestas brigarem. Eram amigos há séculos, mas continuavam amigos porque na verdade nunca tinham enfrentado uma crise juntos. A crise determina se a amizade é verdadeira. Se não há crise, a amizade de 10 anos não pode ser considerada verdadeira. Só depois de se superar uma crise, aí, sim. Sabe quem supera crises comigo? Ninguém. Eu não me importo na real de não ter amigos verdadeiros. Sabem por quê? Quem teria culhões de ser meu amigo? Quem daria conta de tentar me entender, entender como me sinto, entender os problemas sérios que enfrento? Eu perdi esperança na humanidade. As pessoas são fracas. Fraquíssimas. Não aguentam nem uma decepçãozinha de merda. Não estão prontas para estarem ao seu lado quando você precisa. Se você precisa de ajuda, todo mundo sai fora. E, se bobear, ainda falam mal de você. Te juro: eu já me esforcei muito para tentar entender as pessoas, dar aquela força no momento de tristeza dos outros, mesmo que seja um problema ínfimo. As pessoas que eu pensei que pudessem me ajudar, só me decepcionaram. Não consigo nem expressar o quanto me dói lembrar das minhas tentativas patéticas de confiar em alguém. As pessoas não passam de umas covardes, só pensam em si mesmas, nas suas dores pequenas e fúteis. Ninguém está realmente interessado em ser um bom amigo. Querem ser seu amigo só para se divertir e se aproveitar. Querem conselho, querem carinho, querem, querem, querem. Eu nunca mais vou me decepcionar com alguém. Sabem por quê? Porque eu desisti da humanidade. Se alguém sofre, tanto faz para mim. Eu também não sofro? Eu não tenho que dar conta de minha dor? Se eu posso, os outros também podem. Eles que aguentem a dor”.

__ Rossi, uma das coisas mais frustrantes é que, se não conseguirmos capturá-la e com vida, esse pai que abusou e torturou por tantos anos vai escapar. Seu blog não vale como provas e não foi encontrada nenhuma evidência de abuso na casa. Não há nenhuma testemunha, ela nunca confessou isso para ninguém pessoalmente. Ele simplesmente pode ficar impune. Apenas ela pode colocá-lo atrás das grades.

__ Este caso realmente envolve muitas complexidades. O time está conseguindo manter o foco? Manter a imparcialidade?

__ Você mesmo tem visto o empenho de todos. Nós temos que encontrá-la por tantos motivos! – o telefone de Hotch toca. – Alô? (...) Calma, quem está falando? (...) Como?! – Hotch faz um gesto para Rossi, que imediatamente telefona para Garcia.

__ Garcia, esteja a postos. Algo aconteceu, Hotch está no telefone agora, vou colocar no viva-voz. – Em seguida, Hotch também coloca seu telefone em viva-voz.

A voz no outro lado da linha, da mãe de uma das vítimas, explica:

__ Estou lhe dizendo! Ela acabou de me telefonar! Acabei de falar com ela! Mas ela não me disse onde estava, eu implorei para que me dissesse!

__ O que ela falou?

__ Hoje cedo eu fui à igreja. Escrevi uma mensagem para Deus, que a perdoasse por tudo o que ela tinha feito, que ela era apenas uma garota muito doente e que precisava de ajuda. Deixei aos pés de uma estátua de anjo. Ela devia estar na igreja e ninguém viu, ela deve ter pegado este papel porque acabou de me ligar, perguntando se eu a tinha mesmo perdoado... ela disse que não entendia, como que eu poderia dizer o que falei da pessoa que... da pessoa que... tirou... a vida... da pessoa que tirou a vida da minha própria...

__ Muito obrigado por ter nos telefonado, já estamos pesquisando sua linha para ver de onde ela ligou! Muito obrigado, a senhora foi de uma grande ajuda! Muito obrigado, mesmo! – após desligar o telefone – Garcia? Você conseguiu localizar a ligação?

__ Só um minutinho!... Só um minutinho!! Sim, sim, é de um orelhão da cidade! Ai, meu Deus do céu, vocês precisam correr lá! Ela ainda deve estar por perto! Enviei o endereço para seus celulares!

__ Prentiss e Reid são os mais próximos da localização... Alô, Prentiss? Prentiss, você recebeu o endereço? Sim, corra para lá, a suspeita deve estar nas proximidades!

__ Hotch, pé na tábua! Vamos para lá!

E o carro sai a todo vapor, tocando a sirene!
Morgan vem correndo pela rua.

__ Nada? – pergunta Hotch, ainda dirigindo o carro.

__ Não!! Estamos circundando toda região que podemos, mas ainda nem sinal dela!

As sirenes se acumulam ao redor da praça.

O tempo passa e a esperança de encontrá-la começa a reduzir.

Vem um homem correndo de dentro de uma lanchonete, assustado com tantos agentes do FBI e tanta polícia.

__ Algum problema, oficiais?

__ Você viu uma menina utilizando este orelhão hoje?


Ele olha confuso para o orelhão.

__ Menina? Sim... havia uma jovem neste orelhão há alguns momentos atrás... ela estava de skate e foi naquela direção... esperem... vocês estão atrás da assassina das crianças? Ah, não acredito que ela esteve bem aqui na nossa frente!

__ Obrigado, senhor... pode voltar para a lanchonete agora! – Hotch sai do carro. Prentiss vem em sua direção.

__ Ah, isso não é nada bom... nada bom!

__ Vamos continuar procurando! Pensem em todas as possibilidades para onde ela possa ter ido. Não vamos descansar enquanto não encontrá-la!

Todos se mobilizam. Procuram. Percorrem ruas, perguntam às pessoas... viram uma garota passar de skate por aqui? Para onde teria ido? Repassam os locais familiares a ela. Fazem vigília. Um olho na rua, outro na população, espumando de raiva, pronta para pegar paus e pedras e tudo o que viesse pela frente para atacá-la.

Do outro lado da cidade, JJ prepara a mãe da vítima para uma declaração na TV.

“Eu sou a pessoa que mais deveria estar banhada de raiva neste momento. Minha filha teve a vida roubada brutalmente e com muita dor” – a mãe tenta não soluçar, mas impossível reduzir o tremor da voz. “Mas há houve muita violência para uma mesma cidade. Já houve muita violência para toda a nossa vida. Enquanto estimularmos a violência, a violência continuará acontecendo. Por favor, se encontrarem a responsável por estes atos brutais e sem sentido, por favor, se lembrem que se trata de uma mente doente, lembre-se de se trata de um ser humano doente. Sei que ela precisa encarar as consequências de seus atos, mas, por favor, eu lhes peço. Se a virem, por favor, chamem a polícia. Não se vinguem com as próprias mãos. Ouçam meu apelo de mãe, chega de violência. Já derramamos suficiente lágrimas. Já derramamos suficiente sangue. Não vamos continuar a perpetuar a violência. Vamos perpetuar a paz. Eu agradeço do fundo do meu coração. Não quero que a morte de minha filha justifique outra. Minha filha não merece isso. Por favor, respeitem a memória de minha filha e façam isso com paz no coração!”

__ Já faz muitas horas. – ressalta Reid. – Talvez tenhamos que considerar o que não consideramos até agora.

__ Sim, o impacto da palavra de bondade e paz pode ter se reverberado de maneira forte na suspeita. Ela pode ter tirado a própria vida a esta altura. – responde Prentiss.

__ Ou... alguém pode tê-la visto e nunca vamos encontrar o corpo...

Prentiss olha para Hotch, aproxima-se dele.

__ Quer dar uma volta?

Hotch afirma que sim com a cabeça. Eles entram no carro.

Após rodar por quinze minutos em silêncio, ele estaciona em outra praça. O sol começa a se por.

__ Ah, este dia não está nada legal. – comenta Prentiss.

Eles saem do carro, encostando nele. Veem o por do sol.

__ Eu não consigo imaginar o quanto difícil foi para você ter que ter mentido para o time sobre mim. Sinto por tudo o que você passou. Deve ter sido péssimo mentir para seus amigos e colegas de trabalho.

Hotch, de óculos escuros, por um momento não se move. Só olha o céu. Se não fosse um dia tão triste...

__ Não foi nada difícil.

__ O quê?

__ Não foi nada difícil. E eu faria de novo dez vezes. Tudo o que importava era saber que você estava em segurança. Você poderia ter ido para a Ásia, para a lua. Eu estava bem, porque sabia que você estava a salvo.

__ Eu senti sua falta.

__ É... eu também.

Hotch suspira. Alguns centímetros entre eles.

__ Você esteve em meu coração o tempo todo.

__ Você também esteve comigo todo o tempo.
Mais tarde, todos se reúnem na delegacia.

Reid começa a desmontar o quadro, retirando as fotos, os papéis. Garcia, do outro lado da tela, sentada. Ninguém consegue dar a palavra final: “É isso! fizemos o que pudemos, agora é hora de ir!”

Nas ruas, uma vigília se organiza. Centenas de velas silenciosas se aproximam umas das outras. Os rádios e programas de TV reprisam a estória toda hora, com ênfase no discurso da mãe da vítima.

__ Gente, não quero ir para casa chorar... – resmunga Garcia.

__ Não saber o que aconteceu é simplesmente... uma droga! – complementa Morgan.

Reid olha seu relógio. Talvez estivesse pensando se daria tempo de chegar ao hotel e, depois do banho, ver seu programa favorito. É hora de começar a se desfazer do peso da dor no peito para seguir em frente. No dia seguinte, o próximo caso, a próxima tristeza.

De repente, um súbito silêncio. Até os telefones parecem espantados, porque até eles param de tocar. Garcia, com os olhos arregalados, aproxima-se do monitor, para acreditar no que via.

Morgan é o primeiro a reagir, preocupado em não despertar emoções vívidas de todos que passaram o dia sem saber como seria o desfecho desta tão chocante estória.

Ele se aproxima dela. Ela, que havia entrado pela porta da frente. Com o rosto molhado em lágrimas. Com a cabeça baixa. Trêmula.

Há um alívio comovido em todo o ambiente.

Ela então havia resolvido se entregar. Percorrera a cidade sem nem uma pessoa que a notasse. Neste caso, sua ‘invisibilidade’ havia lhe protegido. E, agora, ela, ali, de pé, como um milagre.

Morgan a retira do ambiente rapidamente, levando para uma sala. Mas o que ele receava, de que algumas pessoas pudessem iniciar algum tipo de agressão, física ou verbal, não acontece.

Assim que ela se senta, depois de uns minutos, acomodada, sem nem ao menos conseguir processar tudo em sua mente, ela pega um papel e começa a escrever:

“Eu deveria estar muito feliz de estar errada. Enfim, não há apenas mal no mundo, há o bem também. É pena que eu não pude perceber isso antes. Fui contaminada por uma nuvem negra de ódio e vingança. Agora, nem sei contra quem eu estava agindo. Nem sei o que estava combatendo. Acho que estive louca. Acho que estive embebida nas águas dos fundos dos poços. Não o fundo do poço comum, mas aquele fundo do fundo do fundo à beira do Inferno. Estive embebida e iludida com minha própria saliva envenenada do fundo do poço total. Não sei direito o que aconteceu. Sei que estive representando o pior do mal que pudesse existir. Enfim, agora, escuto o pássaro cantar. Olho para cima, minha vista está embaçada, mas sei que há luz. E, lá da luz, o pássaro canta para mim. Espero que ele cante também para todas as pessoas que prejudiquei, que feri, que causei dor. Sei que o que fiz é irremediável. Nem espero ser salva. Mas estou pronta para desistir. Desisto de ter ódio do mundo. Descobri tarde demais que o ódio não vale a pena”.
Outros casos viriam naquela semana, naquele mês, naquele ano.

Mas certamente nada se compararia a este.

Dias depois, a equipe ainda troca nos olhares os ecos daquelas palavras. Alimentando mais o amor entre eles. É como se reforçassem a importância do amor que os une. Um amor tão forte, mas tão forte, que não importasse o que viesse nas pastas que apresentam os casos, nada os abalaria.

Seguir em frente, sempre.

Deixando para trás as tristezas. Carregando para frente a esperança, a paz, o amor.

Rosely Zenker - 17/12/2011

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